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O tema da nossa sintética análise veio à luz graças aos trabalhos de Marcelo Neves, que o apresentou à Faculdade de Direito do Recife no concurso para professor titular da disciplina Teoria Geral do Estado, realizado nos idos do ano de 1992.

O que é legislação-álibi?

Trata-se do resultado da atuação do Legislador que, pouco despreocupado em formular políticas públicas eficazes, cria leis para a solução de problemas pontuais, com o intuito falacioso de demonstrar capacidade de ação do Estado, gerando, com isso, pretenso estado de bem-estar e segurança na sociedade. É fruto da atuação do Poder Legislativo que, munido de arroubos casuísticos, produz amiúde textos legislativos que no mais das vezes se coaduna com as verves do eleitorado, sem, contudo, demonstrar eficácia prática.

Com isto não se quer afirmar – nem de longe – que o Poder Legislativo deve estar aquém dos acontecimentos e da transformação natural da sociedade, de seus valores e modos de pensar.

Ao revés.

A democracia participativa dos tempos modernos vem criando satisfatoriamente meios de participação social na vida política. Contudo, a hiperprodução legislativa produz efeitos deletérios e verdadeira descrença no Estado e em seus agentes, pois com o tempo a quase certa ineficácia estatal termina por ocasionar a perda da legitimidade do império legislativo, gerando um verdadeiro “vácuo de poder”, nas felizes palavras do advogado Kakay.

Neves, 2007, p. 23 cita três possíveis conteúdos de uma legislação-álibi, propondo uma “tipologia da legislação simbólica”, afirmando que o estas podem veicular matéria referente a:

a) Confirmar valores sociais;

b) Adiar a solução de conflitos sociais através de compromissos dilatórios; e

c) Demonstrar a capacidade de ação do Estado.

Embora este viés de atuação legiferante possa ser visto em todos os âmbitos do sistema jurídico, é deveras comum e mais nítido quando referente à atuação penal do legislador. Veja-se escólio da Professora Alice Bianchini:

“O que importa, para a função simbólica, é manter um nível de tranquilidade na opinião pública, fundado na impressão de que o legislador se encontra em sintonia com as preocupações que emanam da sociedade. Criam-se, assim, novos tipos penais, incrementam-se penas, restringem-se direitos sem que, substancialmente, tais opções representem perspectivas de mudanças do quadro que determinou a alteração (ou criação) legislativa. Produz-se a ilusão de que algo foi feito”[1].

Tomemos como exemplo o recrudescimento da legislação penal. Não raro vemos representantes eleitos associando penas mais elevadas com a adequada prevenção e punição pelo mal causado. Contudo, o problema que o Estado quer efetivamente combater é a própria criminalidade e não seu fruto: a violência. Confunde-se causa e efeito. Neste vaievem de embates intelectuais calcados em falsas premissas, o resultado não poderia ser diferente: desaguamos em falsas conclusões. Marcelo Neves evidencia que:

“Também em relação a escalada da criminalidade no Brasil a partir das duas últimas décadas do século XX, a discussão em torno de uma legislação penal mais rigorosa apresenta-se como um álibi, uma vez que o problema não decorre da falta de legislação tipificadora, mas sim, fundamentalmente, da inexistência dos pressupostos socioeconômicos e políticos para a efetivação da legislação penal em vigor”.

Na feliz expressão do Juiz de Direito do Tribunal de Justiça de Sergipe, Paulo Roberto Fonseca Barbosa, as legislações-álibi nada mais são do que instrumento normativos “no atacado”, postos à prateleira, à espera do momento (in) oportuno e conveniente aos interesses estatais e pessoais de seus agentes.


[1] BIANCHINI (2002, p. 124)

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